A filosofia morreu, ou só está em hibernação?
A questão sobre a morte da filosofia é provocativa e, de certa forma, reflete uma inquietação sobre o papel que essa disciplina milenar desempenha em um mundo cada vez mais dominado pela ciência, tecnologia e pragmatismo. Onde estão os grandes debates filosóficos que moldaram o pensamento ocidental? Por que não vemos mais filósofos como Sócrates, Kant ou Nietzsche ocupando um espaço central no cenário intelectual contemporâneo? A filosofia, de fato, morreu, ou está apenas em um estado de hibernação, esperando o momento certo para ressurgir com força total?
O Declínio da Filosofia Pública
Ao longo dos séculos, a filosofia foi a força motriz por trás de algumas das maiores transformações culturais e intelectuais da humanidade. No entanto, parece que nos últimos tempos ela perdeu o protagonismo. A filosofia analítica, com sua abordagem rigorosa e técnica, muitas vezes se distanciou das questões mais amplas e existenciais que costumavam capturar a imaginação do público. Esse tipo de filosofia, que se concentra em lógica e linguística, pode parecer, para muitos, uma forma de matemática disfarçada, complexa e desconectada da vida cotidiana.
Liam Kofi Bright, em seu ensaio “O Fim da Filosofia Analítica”, argumenta que essa vertente filosófica enfrenta uma crise de confiança. Não apenas os problemas que aborda parecem cada vez mais insolúveis, mas também a relevância dessas questões é frequentemente questionada. Se a filosofia não consegue oferecer respostas claras ou aplicáveis às questões práticas do mundo real, qual é, então, o seu propósito?
Esse afastamento das preocupações mais imediatas pode ser uma das razões pelas quais a filosofia perdeu espaço. Em um mundo onde o valor do conhecimento é medido pelo impacto direto que ele tem na sociedade — seja na forma de inovações tecnológicas ou políticas públicas —, a filosofia muitas vezes parece carecer do que William James chamou de “valor em dinheiro”. Essa percepção pode ter contribuído para o declínio do interesse por essa disciplina, tanto na academia quanto no público em geral.
Além disso, a própria estrutura da educação superior tem contribuído para esse fenômeno. Muitos cursos de filosofia em grandes instituições foram encerrados ou limitados a módulos introdutórios, como ética e moral, refletindo a tendência de priorizar disciplinas consideradas mais “práticas”. Segundo dados recentes, o número de alunos matriculados em cursos de filosofia diminuiu significativamente, com instituições renomadas reduzindo ou eliminando seus departamentos de filosofia . Isso reflete uma mudança cultural mais ampla, onde o valor das humanidades, em geral, está sendo constantemente questionado.
A Filosofia Permeia Tudo
No entanto, seria um erro concluir que a filosofia está morta. Muito pelo contrário, a filosofia continua a influenciar profundamente a maneira como pensamos e agimos, mesmo que de forma menos visível. As questões que a filosofia continental — mais acessível e ligada à condição humana — aborda, como a existência, a identidade pessoal e o papel da religião, são fundamentais para a compreensão da nossa vida cotidiana. Quando discutimos o impacto de uma era sem Deus, a alienação na sociedade moderna ou o significado do amor, estamos nos engajando em questões filosóficas.
Além disso, a filosofia está presente em praticamente todas as áreas do conhecimento e da prática humana. Ela informa a ética corporativa, o método científico, as políticas públicas e até mesmo as discussões sobre inteligência artificial. Em uma época em que a IA está se tornando uma parte cada vez mais significativa de nossas vidas, as questões filosóficas sobre a natureza da consciência, a moralidade das máquinas e o futuro da humanidade são mais relevantes do que nunca. De fato, a filosofia se infiltra nas discussões cotidianas, nas decisões políticas e nos dilemas morais, mesmo que muitas vezes não a reconheçamos pelo nome.
A Filosofia em Hibernação
Se a filosofia parece menos visível hoje, isso não significa que ela tenha desaparecido. Talvez, ela esteja apenas em um estado de hibernação, aguardando um momento de crise ou transformação para despertar e oferecer as ferramentas necessárias para entender e enfrentar novos desafios. Em tempos de incerteza, a filosofia tem o poder de nos ajudar a questionar nossas suposições, repensar nossas prioridades e encontrar sentido em meio ao caos.
A filosofia não está confinada às torres de marfim da academia; ela está nas perguntas que fazemos a nós mesmos nas horas de insônia, nas discussões acaloradas sobre política, nas reflexões sobre a vida e a morte. Todos nós, em algum momento, somos filósofos, mesmo que não nos identifiquemos como tal. A prática filosófica pode não estar mais limitada às figuras de autoridade que tradicionalmente ocupavam esse espaço, mas está presente em nossas vidas cotidianas, nas decisões éticas que tomamos e nos debates sobre o que é justo ou verdadeiro.
Portanto, a filosofia não está morta. Ela pode estar em hibernação, aguardando o momento certo para ressurgir com vigor renovado. E quando esse momento chegar, seremos lembrados de que a filosofia não é apenas uma disciplina acadêmica, mas uma parte essencial do que significa ser humano.
A qualquer momento, uma nova crise ou revolução pode trazer a filosofia de volta ao centro das atenções, demonstrando seu valor inestimável em nos ajudar a navegar pelas complexidades da vida moderna. Até lá, a filosofia continua a existir, silenciosa, mas onipresente, esperando pacientemente para guiar a humanidade em sua próxima grande aventura intelectual.