A Essência da Liderança: Presença, Discernimento e Sustentabilidade na Igreja

No contexto da gestão eclesial, dioceses, arquidioceses e paróquias enfrentam o desafio de conciliar recursos limitados com sua missão espiritual. No entanto, uma tendência preocupante tem surgido: na busca por otimizar custos e ajustar salários, administradores eclesiásticos estão reduzindo a carga horária ou a presença ativa de gestores leigos ou religiosos — como supervisores, coordenadores e gerentes — sob a promessa de uma “gestão do tempo mais eficiente”. Essa abordagem, embora bem-intencionada, ignora a natureza única da liderança na Igreja Católica, que não se resume a tarefas burocráticas, mas é um ministério de presença, animação e serviço, mesmo em funções administrativas.

A Liderança Leiga: Mais que Burocracia, um Serviço à Missão

Na Igreja, gestores como coordenadores de comunicação, gerentes financeiros, gerentes de atendimento ou gerentes de centro de eventos não são meros “funcionários”. São discípulos missionários, chamados a sustentar a infraestrutura que viabiliza a evangelização. Quando a administração eclesiástica prioriza reduzir suas horas de dedicação em nome do equilíbrio financeiro, trata a liderança como uma função técnica, não como um serviço integrado à missão da Igreja.

O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, afirma que “o verdadeiro poder é o serviço”. Para gestores leigos, isso significa que sua eficiência não está em cumprir planilhas à distância ou planejamentos estratégicos de curto, médio e longo prazo enviados apenas por e-mail, mas em estar próximo das equipes e das necessidades concretas. Um coordenador de comunicação que não participa das reuniões de planejamento pastoral perde a capacidade de alinhar mensagens da Cúria à espiritualidade da comunidade igreja. Um gestor financeiro que desconhece as demandas dos projetos diocesanos toma decisões desconectadas da realidade. Um gestor de um centro de eventos ou hospedaria que desconhece o que está sendo autorizado por um assistente em sua ausência, pares pode se tornar distante de seus pares. Reduzir sua presença é enfraquecer a sinergia entre logística e missão.

O Equívoco da “Gestão do Tempo” sem Comunhão

Inspirados por modelos empresariais, alguns administradores eclesiásticos incentivam gestores a “delegar mais” e “focar apenas no estratégico”. Porém, na Igreja, até a gestão de um centro de eventos ou de um arquivo diocesano exige discernimento comunitário. Delegar tarefas críticas sem acompanhamento gera riscos:

  • Um gerente de espaços de locação que terceiriza determinados contatos pode perder a sensibilidade para acolher suas necessidades específicas e estratégicas.
  • Um coordenador de arquivo que não supervisiona a organização de documentos históricos compromete a preservação da memória eclesial.
  • Um supervisor financeiro que se afasta da equipe pode deixar de identificar desvios ou oportunidades de otimização ética de recursos.

A estratégia administrativa na Igreja não existe sem rosto humano. Planejar orçamentos, organizar eventos ou gerenciar comunicações exige que o gestor leigo conheça as pessoas, participe das dinâmicas da comunidade “equipe” e inspire confiança por meio de sua disponibilidade.

O Risco do Vazio: Quando a Ausência Compromete a Missão

Uma diocese ou paróquia não é uma empresa, mas um organismo espiritual. Seus “resultados” incluem transparência administrativa, uso justo dos recursos e apoio eficaz à pastoral. Se um gestor leigo é pressionado a limitar seu horário, delegando funções sem orientação clara, a máquina eclesial perde coesão. Exemplos:

  • Um coordenador de comunicação ausente das reuniões pastorais cria campanhas desconectadas do anseio evangelizador da comunidade ou como transmitir para as redes sociais e meios eletrônicos a mensagem de uma igreja viva e atuante, podendo correr o risco de construir redes de comunicados sem formação, catequese ou sinal vivo da palavra de seus Bispos e Arcebispos.
  • Um gerente de eventos que não acompanha a preparação de retiros ou encontros permite falhas logísticas que afetam a experiência espiritual dos participantes ou a compra desnecessária de itens por parte de sua equipe.
  • Um supervisor financeiro distante da equipe pode negligenciar a prestação de contas, gerando desconfiança entre seus pares.

A autoridade do gestor nasce da proximidade e do exemplo, seguindo o modelo de Cristo, que se fez servo. Não há eficácia sem envolvimento.

Sustentabilidade Eclesial: Fortalecer Lideranças, Não Cortar Presença

A verdadeira sustentabilidade da Igreja não se constrói por meio da limitação de horários ou da redução da presença de gestores, mas sim pelo fortalecimento das lideranças leigas e pela criação de estruturas que assegurem eficiência sem comprometer a missão pastoral. A gestão eclesial exige mais do que administração de recursos; demanda visão estratégica, formação contínua e corresponsabilidade comunitária.

Se há desafios financeiros, a solução está em fortalecer a capacidade de gestão sem comprometer a identidade pastoral da Igreja. Isso pode ser feito por meio de:

Formação de líderes preparados para integrar fé e gestão, promovendo cursos que unam princípios administrativos com a Doutrina Social da Igreja. O conhecimento sobre finanças, planejamento e governança eclesial é essencial para que a comunidade prospere sem perder seu propósito evangelizador.

Criação de estruturas de suporte, como assistentes administrativos, equipes financeiras e softwares de gestão paroquial. Isso permite otimizar processos burocráticos sem sobrecarregar padres e leigos, garantindo mais tempo para a missão evangelizadora e o acompanhamento pastoral.

Promoção da corresponsabilidade, envolvendo voluntários qualificados em funções auxiliares sem substituir a liderança técnica. Comunidades ativas e bem-organizadas são sustentáveis porque valorizam a participação e o senso de pertencimento dos fiéis.

Reduzir a presença dos gestores é uma falsa economia: o impacto de projetos mal executados, equipes desmotivadas e até escândalos por má administração pode ser devastador. A verdadeira sustentabilidade eclesial nasce do equilíbrio entre eficiência administrativa e fidelidade à missão, garantindo que a Igreja continue sendo um farol de esperança e serviço para todos.

A Visão Integral do Gestor Leigo: Técnica, Relacional e Espiritual

O gestor católico é chamado a ser um homem ou uma mulher de síntese, equilibrando razão e fé, eficiência e serviço, planejamento e evangelização. Seguindo exemplos como o de São José, padroeiro dos trabalhadores, sua missão não é apenas administrar, mas transformar a gestão em um testemunho de compromisso com o Reino de Deus.

Uma liderança eclesial verdadeiramente eficaz se sustenta sobre três dimensões essenciais:

Dimensão Técnica – A Igreja precisa de gestores competentes, que unam profissionalismo, transparência e inovação. O domínio de boas práticas administrativas, o planejamento estratégico e a gestão eficiente de recursos são fundamentais para a sustentabilidade das instituições eclesiais.

Dimensão Relacional – Nenhuma administração pode prosperar sem diálogo e empatia. O gestor leigo deve cultivar a escuta ativa, compreender as necessidades pastorais e construir um ambiente de confiança. Sua liderança deve ser um reflexo do espírito sinodal, onde a corresponsabilidade e a comunhão fortalecem a missão da Igreja.

Dimensão Espiritual – A gestão na Igreja não é um fim em si mesma, mas um serviço a um propósito maior. Um líder eclesial deve estar enraizado na fé, reconhecendo que suas decisões impactam não apenas a eficiência administrativa, mas também a vida espiritual da comunidade. Sua ação deve estar sempre alinhada com os valores do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja.

Negligenciar qualquer uma dessas dimensões gera crises: a falta de competência técnica leva à ineficiência; a ausência de diálogo resulta em desalinhamento e desmotivação; a fragilidade espiritual compromete a identidade e a credibilidade da missão eclesial.

Ser gestor na Igreja é mais do que administrar – é ser um instrumento da Providência, conduzindo a obra de Deus com sabedoria, discernimento e compromisso.

Conclusão: Reafirmar a Vocação do Gestor como Servidor

A Igreja não é uma corporação, mas um corpo místico, e seus gestores leigos são chamados a ser servidores, não meros executivos ou operacionais. A administração eclesiástica deve abandonar modelos que reduzem a liderança a métricas de produtividade e, em vez disso, recordar as palavras de São Paulo: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de bom coração, como para o Senhor” (Cl 3:23).

Cortar a presença dos gestores em nome da eficiência é contradizer a essência do serviço cristão. A solução está em valorizar sua missão dupla: garantir excelência administrativa e sustentar a comunidade com integridade.

Portanto, que dioceses e paróquias revisitem suas práticas: em vez de pressionar gestores a trabalharem menos, ofereçam-lhes ferramentas, formação e reconhecimento. Pois, como ensina o Concílio Vaticano II, os leigos são “sal da terra” e “luz do mundo” — inclusive na gestão. Sua dedicação é vital para que a Igreja continue a ser, no mundo, sinal de esperança e casa de comunhão.

Ainda não terminei: pistas para inovação e intraempreendedorismo

A Igreja, como instituição milenar, enfrenta o desafio de renovar-se sem perder sua essência. Para gestores leigos — supervisores, coordenadores e gerentes —, isso significa abraçar o intraempreendedorismo: a capacidade de inovar dentro de estruturas existentes, alinhando criatividade administrativa à missão evangelizadora. Não se trata de copiar modelos corporativos, mas de criar soluções originais que nascem do diálogo entre fé, gestão e as urgências do mundo contemporâneo.

1. Fomentar Laboratórios de Inovação Pastoral

Por que não criar espaços onde gestores leigos possam experimentar novas abordagens? Por exemplo:

  • Hub de Tecnologia Missionária: Desenvolver aplicativos de gestão paroquial que integrem agendamento de eventos, doações online e transparência financeira, sempre respeitando a privacidade e a doutrina.
  • Projetos Piloto Sustentáveis: Implantar sistemas de energia solar em centros diocesanos, reduzindo custos fixos e testemunhando o cuidado com a Criação.
  • Mentoria Cruzada: Promover trocas entre gestores de diferentes áreas (ex: um coordenador de comunicação ensinar storytelling a um supervisor financeiro, e vice-versa).

A inovação não é um luxo, mas um ato de responsabilidade missionária, como lembra o Papa Francisco: “A realidade é superior à ideia” (Evangelii Gaudium, 231).

2. Empoderar Gestores como Agentes de Mudança

O intraempreendedor na Igreja é aquele que:

  • Questiona processos obsoletos (ex: por que manter arquivos físicos gigantescos se documentos históricos podem ser digitalizados e compartilhados com universidades católicas?).
  • Propõe parcerias inéditas (ex: colaborar com startups de impacto social para gerir espaços ociosos das paróquias como centros de acolhida a migrantes).
  • Transforma problemas em projetos (ex: criar um programa de “adoção” de contas paroquiais deficitárias por comunidades mais prósperas, fortalecendo a solidariedade interparoquial).

Para isso, a administração eclesiástica precisa dar autonomia e reconhecer que erros fazem parte do aprendizado — desde que alinhados à ética católica.

3. Integrar Tecnologia sem Desumanizar

A inovação não significa substituir pessoas por máquinas, mas potencializar o humano com ferramentas. Exemplos:

  • CRM Eclesial: Usar sistemas de gestão de relacionamento para mapear as necessidades das famílias da paróquia e direcionar apoio pastoral personalizado.
  • Criptomoedas para Doações: Criar canais seguros para doações em criptomoedas, convertendo-as em recursos para obras sociais, seguindo princípios de transparência.
  • Streaming de Formação: Oferecer cursos online de gestão para leigos, ministrados por profissionais católicos, fortalecendo a capacitação sem custos elevados.

A tecnologia, aqui, é instrumento de comunhão — nunca um fim em si mesma.

4. Cultivar uma Cultura de Co-Criação

Inovar na Igreja exige romper silos entre clero, leigos e voluntários. Gestores intraempreendedores devem:

  • Promover Hackathons Pastorais: Encontros onde equipes multidisciplinares (teólogos, designers, economistas) projetem soluções para desafios concretos, como a revitalização de paróquias rurais.
  • Criar Ouvidorias Participativas: Canais onde fiéis possam sugerir melhorias na gestão, transformando feedbacks em projetos viáveis.
  • Institucionalizar Prêmios de Inovação: Reconhecer publicamente gestores que implementaram iniciativas de impacto, como a redução de desperdício em eventos diocesanos ou a criação de bibliotecas comunitárias autogestionadas.

5. Financiamento Criativo: Além do Dízimo

Gestores intraempreendedores podem explorar novas fontes de recursos sem comercializar a fé:

  • Fundos de Impacto Social: Captar investimentos de católicos empreendedores para projetos específicos (ex: reforma de centros de recuperação de dependentes químicos), oferecendo relatórios de impacto detalhados.
  • Patrocínios Culturais: Firmar parcerias com empresas para restaurar patrimônios históricos da Igreja, vinculando a marca delas a projetos de preservação cultural.
  • Ecoturismo Missionário: Transformar casas de retiro em destinos de turismo sustentável, gerando receita para a manutenção e financiando missões.

Intraempreender na Igreja não é “virar uma empresa” — é assumir que a gestão eficiente e criativa faz parte da Nova Evangelização. Enquanto a administração eclesiástica insiste em cortar presença, os gestores leigos são chamados a provar que é possível fazer mais com os mesmos recursos, desde que haja ousadia, formação e, sobretudo, confiança no Espírito Santo que “renova todas as coisas” (Ap 21:5). A missão não espera — e a inovação, guiada pela fé, já começou.

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