Mindset Pastoral: Como Repensar e Fortalecer a Ação na Igreja

O conceito de mindset (mentalidade) tem ganhado cada vez mais relevância no mundo contemporâneo, especialmente no campo da liderança e da gestão. No contexto eclesial, esse tema se torna ainda mais crucial, pois a Igreja Católica, enquanto comunidade viva e missionária, precisa constantemente renovar-se para responder aos desafios de um mundo em rápida transformação. Mas o que exatamente significa mindset? E como uma mudança de mentalidade pode impactar a ação pastoral, fortalecendo paróquias, movimentos e dioceses?

O mindset refere-se ao conjunto de crenças, pressupostos e atitudes que moldam a forma como interpretamos o mundo e tomamos decisões. A psicóloga Carol Dweck, em seus estudos sobre desenvolvimento humano, distingue dois tipos fundamentais de mentalidade: o mindset fixo (que enxerga habilidades e inteligência como imutáveis) e o mindset de crescimento (que acredita na capacidade de evolução por meio do aprendizado e da experiência). Na vida pastoral, essa distinção é essencial. Padres, bispos, religiosos e leigos engajados podem cair na tentação de acreditar que os métodos tradicionais são sempre os melhores, ou que a resistência à mudança é uma virtude. No entanto, a história da Igreja mostra que os grandes santos e reformadores foram justamente aqueles que souberam repensar estratégias, adaptar-se aos novos tempos e, ao mesmo tempo, permanecer fiéis ao Evangelho.

Neste ensaio, exploraremos como a mentalidade de rethinking (repensar), desenvolvida por especialistas em liderança como Adam Grant e aplicada em organizações como a Wharton Executive Education, pode ser adaptada à realidade pastoral. A capacidade de questionar suposições, rever decisões e abraçar a humildade intelectual não é apenas uma ferramenta de gestão secular, mas também um caminho espiritual de discernimento. Afinal, como disse o Papa Francisco, a Igreja deve ser uma “casa de portas abertas”, onde o medo dá lugar à coragem missionária.

Veremos como líderes eclesiais podem cultivar um mindset pastoral renovado, que promova:

  1. Decisões mais eficazes, baseadas em evidências e não apenas em tradições imutáveis.
  2. Equipes mais engajadas e criativas, onde leigos e conselhos pastorais se sintam livres para contribuir.
  3. Uma cultura de humildade e aprendizado contínuo, seguindo o exemplo de Jesus, que questionou as estruturas rígidas de seu tempo.

Ao final, proponho passos concretos para que padres, coordenadores e bispos possam aplicar esses princípios em suas comunidades, tornando a Igreja mais dinâmica, acolhedora e, acima de tudo, fiel à sua missão evangelizadora.

1. O Que é Mindset e Por Que Ele Importa na Igreja?

Mindset, em sua definição mais ampla, é o conjunto de atitudes mentais, crenças e disposições que moldam a maneira como uma pessoa percebe o mundo e age nele. O termo, popularizado pela psicóloga Carol Dweck, distingue dois tipos principais: o mindset fixo e o mindset de crescimento. No primeiro, acredita-se que habilidades, competências e formas de agir são imutáveis; no segundo, compreende-se que o ser humano está em constante processo de crescimento, aprendizado e superação.

Essa compreensão não é estranha à tradição cristã. Toda a dinâmica da Revelação é marcada por um Deus que chama o ser humano à conversão contínua, metanoia, no grego bíblico, uma transformação profunda da mente e do coração. Em Atos dos Apóstolos, vemos Pedro, um dos principais líderes da Igreja nascente, sendo desafiado a repensar seus pressupostos religiosos diante da revelação de que o Espírito Santo também havia sido derramado sobre os gentios (At 10). A visão da toalha cheia de animais impuros e a voz divina ordenando: “Mata e come” (At 10,13) foi um choque de mentalidade que exigiu de Pedro coragem para mudar.

Outro exemplo é o próprio Concílio Vaticano II (1962-1965), convocado por São João XXIII, que propôs um verdadeiro aggiornamento, uma atualização, da missão e da expressão da Igreja no mundo moderno. Longe de abandonar a Tradição, o Concílio evidenciou que ser fiel ao Evangelho exige, muitas vezes, um movimento audacioso de repensar estruturas, linguagens e métodos.

Portanto, cultivar um mindset de crescimento é essencial para a vitalidade e fecundidade da ação pastoral. Se a Igreja quiser permanecer fiel ao Espírito, que “faz novas todas as coisas” (Ap 21,5), ela precisa superar qualquer tentação de rigidez que a isole das realidades humanas em mutação.

2. Os Três Pilares do Rethinking Pastoral

a) Decisões Melhores: Saindo do Piloto Automático

A atuação pastoral muitas vezes cai na armadilha do piloto automático: repetir fórmulas que deram certo no passado, mas que hoje mostram sinais de esgotamento. Essa repetição é, em grande parte, alimentada por vieses cognitivos, mecanismos inconscientes que distorcem a nossa percepção da realidade.

Um dos mais perigosos é o viés de confirmação, a tendência de buscar apenas informações que reforcem nossas crenças preexistentes e ignorar evidências contrárias. Na prática pastoral, isso se traduz, por exemplo, na insistência em realizar eventos tradicionais sem avaliar se ainda cumprem sua finalidade evangelizadora.

Paróquias que tiveram a coragem de confrontar seus próprios vieses colheram frutos surpreendentes. Um caso concreto é o de uma comunidade que, percebendo o enfraquecimento das festas de padroeiro, investiu em grupos de escuta missionária em vez de aumentar a programação de shows e bingos. O resultado foi um fortalecimento das relações comunitárias e um renovado entusiasmo pela fé.

Rethinking pastoral exige um movimento constante de questionar: “Por que fazemos o que fazemos? Essa prática ainda gera vida? Estamos atingindo aqueles a quem somos enviados?” Essa postura vigilante e crítica é um antídoto contra a inércia e garante a autenticidade da missão.

b) Equipes Mais Fortes: Da Hierarquia à Sinodalidade

O Papa Francisco insistiu para que a Igreja do terceiro milênio seja sinodal. Sinodalidade não significa abolir hierarquias, mas sim cultivar uma dinâmica de escuta, participação e discernimento comum. É um novo modelo de liderança, onde a autoridade se exerce não pela imposição, mas pela promoção da corresponsabilidade.

Um conceito chave aqui é o de segurança psicológica: um ambiente em que todos se sintam livres para expressar suas ideias e preocupações sem medo de punições ou humilhações. Jesus mesmo é exemplo deste estilo de liderança. Quando a mulher cananeia intercede por sua filha (Mt 15,21-28), inicialmente Ele a recusa, mas depois a escuta e se deixa comover por sua fé. Esse episódio mostra que até mesmo o Senhor da vida acolheu interpelações e se deixou “mover” pela súplica do outro.

Nos conselhos pastorais, é vital criar espaços em que os leigos, especialmente os jovens e as mulheres, possam falar sem medo. A vitalidade de uma comunidade cresce proporcionalmente à qualidade de sua escuta.

c) Humildade Intelectual: A Força dos Líderes que Aprendem

Humildade intelectual é a disposição de reconhecer que não sabemos tudo e que sempre podemos aprender. No âmbito eclesial, isso é fundamental. A história mostra que líderes que se fecharam ao novo muitas vezes atrasaram a ação do Espírito.

O caso de Galileu Galilei é emblemático: a resistência de setores da Igreja a uma nova compreensão do cosmos não só prejudicou a ciência, mas feriu a credibilidade e o testemunho eclesial. Por outro lado, São João XXIII brilhou como exemplo de humildade intelectual ao afirmar, no anúncio do Vaticano II, que a Igreja precisava “abrir as janelas” para deixar entrar o ar fresco do Espírito.

Líderes que sabem aprender, ouvir e corrigir-se tornam-se mais fortes, não mais fracos. A força verdadeira não está na rigidez, mas na flexibilidade corajosa que mantém firme a essência, mas é capaz de mudar a forma.

3. Ferramentas Práticas para uma Igreja que Repensa

Exercício do “Pré-Mortem” Pastoral

O “pré-mortem” é uma técnica em que, antes de lançar um projeto, os envolvidos imaginam que ele falhou e analisam as possíveis causas dessa falha. Isso permite antecipar dificuldades, evitar cegueiras e fortalecer a implementação. Aplicado à pastoral, o pré-mortem poderia ser usado, por exemplo, antes de iniciar uma missão paroquial, uma nova pastoral ou até mesmo uma mudança de horários de missa.

Círculos de Discernimento Comunitário

Inspirados no modelo dos Círculos de Paz, esses círculos propõem que, ao invés de decisões serem tomadas unicamente pelo pároco ou por pequenos grupos, toda a comunidade participe de momentos de discernimento coletivo. A prática estimula o Espírito de comunhão e diminui resistências. Assim, não é apenas o padre quem planeja: é a comunidade inteira que sonha, reflete e decide.

Diálogo com a Cultura Digital

A revolução digital não pode ser ignorada pela Igreja. Evangelizar hoje implica presença significativa nas redes sociais, nas plataformas de streaming, nos podcasts e nos novos espaços de comunicação. Repensar a evangelização digital significa não apenas “postar” conteúdo religioso, mas criar autênticos espaços de encontro, diálogo e anúncio. Um exemplo é a estratégia de “microcomunidades” digitais: pequenos grupos de oração e reflexão que se reúnem semanalmente via Zoom, WhatsApp ou Telegram.

4. Casos Reais de Mindset Pastoral Transformador

A Renovação Carismática

Nascida no seio da Universidade de Duquesne (EUA), a Renovação Carismática é exemplo de como o Espírito Santo inspira novas formas de vivência leiga da fé. Sua ênfase no louvor, nos dons carismáticos e no protagonismo dos leigos representou um rompimento saudável com modelos clericalistas de espiritualidade.

O Sínodo da Amazônia

O Sínodo para a Amazônia (2019) representou um marco de repensamento estrutural na Igreja. Colocou no centro questões como o protagonismo dos povos originários, a ecologia integral e a necessidade de novos ministérios. O processo sinodal revelou que a fidelidade ao Evangelho requer atenção respeitosa aos clamores concretos da terra e dos pobres.

Conclusão

Repensar não é sinônimo de relativismo nem de abandono da Tradição. Pelo contrário, é um modo de ser radicalmente fiel ao Espírito Santo, que “renova a face da terra” (Sl 104,30). O cristianismo é, por sua própria natureza, uma religião do novo: “Céus novos e uma terra nova” (Ap 21,1). A Igreja não deve ter medo de questionar métodos, estruturas ou linguagens que já não conseguem tocar os corações. Como dizia São João da Cruz, “onde não há amor, ponha amor, e colherá amor”. Assim também, onde não há vida, ponhamos Espírito, e colheremos renovação.

Que a ousadia do repensar pastoral seja sempre marcada pela humildade, pela esperança e pelo amor, para que sejamos uma Igreja que, como Maria, sabe ouvir, discernir e responder generosamente aos apelos de Deus no hoje da história.

Vimos que um mindset pastoral renovado passa por:
Questionar suposições (“Sempre fizemos assim” não é um argumento válido).
Cultivar humildade (os melhores líderes são os que aprendem com os fiéis).
Promover ambientes de confiança (onde leigos e padres colaboram como irmãos).

A crise de fé no mundo moderno não se resolverá com respostas prontas, mas com uma Igreja que sabe fazer perguntas certas. O Papa Francisco, em Evangelii Gaudium, nos lembra: “Sonhem! Não se contentem com uma Igreja de administradores, mas sejam uma Igreja de discípulos missionários”. Que estejamos abertos ao repensar constante, não por modismo, mas por amor a Cristo e à sua Igreja. Como Maria, que “guardava todas essas coisas, meditando-as em seu coração” (Lc 2,19), sejamos corajosos para discernir os sinais dos tempos e responder com criatividade e fé. Abaixou vou postar uma ferramenta visual (Canvas de Rethinking Pastoral) para que possam usar e facilitar na mudança de mindset pastoral.

Pergunta para reflexão: Qual é a área da sua pastoral que mais precisa de um “repensar” corajoso?

Explicação do Canvas de Rethinking Pastoral

O Canvas de Rethinking Pastoral é uma ferramenta visual para ajudar paróquias, comunidades religiosas, conselhos pastorais e lideranças a repensarem suas práticas, renovarem a ação evangelizadora e fortalecerem uma cultura de discernimento, participação e missão. Para baixar só clicar aqui.

Inspirado em métodos de inovação e adaptação, este canvas organiza em 10 blocos as áreas fundamentais para o processo de mudança de mentalidade (mindset) na Igreja.

Objetivo:
Facilitar encontros de escuta, planejamento e renovação pastoral, de maneira dinâmica, criativa e participativa, sempre enraizados na oração e na missão.

Como Usar o Canvas (Passo a Passo)

1. Imprima o Canvas

Se possível, imprima o canvas em A3 ou maior e cole na parede ou numa cartolina para visualização coletiva, se não for possível imprima ele em várias copias e distribua juntamente com cartolinas ou mesmo use um quadro ou parede.

2. Separe Materiais

  • Post-its de cores diferentes (3 ou 4 cores)
  • Canetas coloridas
  • Marcadores de quadro branco (caso use em lousa)
  • Fita adesiva ou ímãs (para prender os post-its)

3. Defina o Grupo de Trabalho

Monte um grupo representativo: padre, religiosos, lideranças leigas (inclusive jovens, mulheres e pessoas novas na comunidade).

4. Trabalhe Bloco por Bloco

  • Apresente um bloco de cada vez.
  • Lance uma pergunta aberta para reflexão (por exemplo: “Como descrevemos hoje nosso mindset pastoral?”).
  • Cada pessoa escreve suas respostas em post-its e cola no quadro.

Dicas:
Use uma cor de post-it para descrever a situação atual e outra cor para as ideias de mudança.
Incentive respostas simples e objetivas.
Depois de colar os post-its, leiam todos juntos, agrupem ideias semelhantes e resumam.

5. Síntese e Priorização

Depois de preencher todos os blocos:

  • Identifiquem as 3 maiores prioridades (podem usar adesivos ou fazer votação com marcações).
  • Definam pequenas ações práticas que podem ser realizadas nos próximos 30 dias.

6. Fundamente Tudo na Oração

Inicie e termine o encontro com momentos de oração e escuta da Palavra, sempre pedindo luz ao Espírito Santo.

Sugestões Extras para Dinamizar

  • 🎨 Use ícones visuais desenhados à mão (corações, lâmpadas, cruzes) nos cantos dos blocos para representar sentimentos e inspirações.
  • 🧩 Monte uma linha do tempo no final: onde estamos hoje, onde queremos chegar.
  • 📸 Tire fotos dos post-its colados para documentar as ideias e depois construir um relatório de acompanhamento.
  • 🧠 Inclua momentos rápidos de “brainstorming” livre (2 minutos de ideias espontâneas sem censura).

Finalidade Maior

O Canvas não é apenas uma técnica de organização. É um instrumento de serviço à missão da Igreja. Ele busca nos ajudar a sermos mais sensíveis à voz do Espírito Santo, mais atentos aos sinais dos tempos e mais fiéis ao mandato de Cristo: “Ide e fazei discípulos entre todas as nações” (Mt 28,19).

Repensar, renovar e evangelizar são atos de amor à Igreja e ao mundo!

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